O Inferno Português em África
A 23 de Janeiro de 1963, o PAIGC iniciou a luta armada. Até 1974, mais de três mil portugueses morreram na guerra da Guiné [excerto do artigo publicado no CM a 20 Janeiro 2013]
1963 Depois de Angola ter mergulhado na guerra, em março de 1961, a Guiné abre em 1963 uma segunda frente de combate que duraria até 1974. A guerra há de rebentar também em Moçambique – em 1964. Nas três colónias perderam a vida para cima de 10 mil militares portugueses (o Centro de Estudos das Campanhas de África, do Arquivo Geral do Exército, ainda não apurou os números exactos sobre Moçambique) e ficaram feridos cerca de um milhão. Na Guiné, do tamanho do Alentejo, e onde a guerra foi mais dura, contam-se 3046 mortos.
O PAIGC iniciou desde a primeira hora uma guerra de guerrilha bem organizada, que contava com o apoio da União Soviética e da China – que forneciam armas e formação militar. O líder da guerrilha, Amílcar Cabral, engenheiro agrónomo formado em Lisboa, propôs ao regime chefiado com mão de ferro por Salazar, antes de se lançar na luta armada, negociações para a independência da colónia – mas o ditador manteve-se firme no propósito de defender pelas armas o que restava do império.
Os combates alastram rapidamente ao sul e ao norte da Guiné. Com o apoio do regime de Sékou Touré, os guerrilheiros usavam bases na Guiné-Conacri, a sul, e contavam também com o apoio de Léopold Senghor para estabelecerem novos santuários a norte da fronteira, no Senegal. As forças portuguesas, pouco à vontade nos terrenos pantanosos e matas densas, tinham dificuldades em combater um inimigo que se especializou em emboscadas e ataques de curta duração. O apoio da Força Aérea era indispensável para o sucesso das operações.
Desde o início da guerra, a zona sul revela-se a mais difícil para as tropas portuguesas – um verdadeiro inferno. As matas densas da região abrigam os guerrilheiros, que estabelecem uma linha de abastecimentos a partir de Conacri, um corredor que passava perto de Guileje, conforme o lado em combate: os portugueses chamavam-lhe ‘corredor da morte’, para a guerrilha era ‘corredor da liberdade’.
Na Guiné, a falta de estradas faz dos muitos rios e braços de mar o meio principal de fazer deslocar tropas e mantimentos. Na ponta ocidental do Cantanhez, a sul, as ilhas de Caiar, Como e Catungo estão tomadas pelo inimigo, que se atreve a proclamar a República Independente do Como. A presença do PAIGC ameaça a rota dos navios portugueses para sul, essencial às tropas aí colocadas. É então posta em marcha a ‘operação Tridente’. Objectivo: desalojar a guerrilha daquelas três ilhas.
1966 Em abril de 1966, os paraquedistas aquartelados no Mejo sofrem um duro revés. A ‘operação Grifo’, comandada pelo alferes Ferreira da Silva, visa atacar os guerrilheiros que entram na Guiné, através do corredor de Guileje, vindos da vizinha Guiné-Conacri com armas e munições. O pelotão de ‘páras’, onde segue integrado o capitão Tinoco de Faria, sai do quartel do Mejo e faz a pé o percurso para sul, a caminho dos trilhos do inimigo – onde, na madrugada do dia 28, montam emboscada à coluna do PAIGC que por ali surja.
Após horas de espera, por volta das 10h00, detectam os guerrilheiros. Os paraquedistas esperam pela aproximação da coluna para abrirem fogo. O grupo da frente, composto por uma dezena de guerrilheiros, é alvo de fogo cerrado. O capitão Tinoco de Faria é alvejado sem gravidade – e faz o que mandam os manuais: muda de posição e continua a disparar. Volta a ser alvejado, desta vez com gravidade. O resto da coluna do PAIGC ataca com ferocidade.
Os militares portugueses resistem durante 45 minutos debaixo de fogo cerrado. Até que os guerrilheiros retrocedem um pouco – momento que permite aos ‘páras’ retirarem. Mas é demasiado tarde para o capitão Tinoco de Faria. Por volta do meio-dia, morre no terreno. É levado pelos camaradas, sempre flagelados por tenaz perseguição dos guerrilheiros, que só pelas cinco da tarde chegam em segurança ao quartel do Mejo.
1970 A ação de Spínola alarga-se ao campo diplomático. Os majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório e o alferes Joaquim Mosca aceitam participar num plano ousado: convencer os chefes da guerrilha de Chão Manjaco – André Gomes, Quintino Vieira, Braima Camará e Luís Correia – a baixarem as armas. Tem início uma série de reuniões secretas. A primeira, no início de fevereiro de 1970, decorre na região de Pigane, com a presença do próprio Spínola. Seguem-se mais sete encontros entre os majores, o alferes Mosca e os chefes da guerrilha.
O nono e último encontro está previsto para o dia 20 de abril de 1970. Os majores Pereira da Silva, Passos Ramos, Magalhães Osório e o alferes Joaquim Mosca saem a meio da manhã do aquartelamento de Pelundo. "Fui o último a vê-los com vida", recorda à Domingo o então capitão Eugénio das Neves, comandante da companhia de Caçadores 2586. "O major Passos Ramos ia desconfiado. Não tinha o sorriso que lhe era habitual. Eu já tinha ido com eles a outras reuniões, só por acaso não os acompanhei. Acreditávamos que seria possível chegar a um acordo. O próprio Spínola tinha ordenado a todo o contingente que não houvesse tiros por iniciativa portuguesa desde o dia 15", recorda o militar. Como combinado, os quatro oficiais, acompanhados de três guias nativos, seguem desarmados. "Só um deles levava uma pequena pistola", diz Eugénio das Neves. Os militares deviam regressar ao quartel pelo final da tarde. A ausência alerta os camaradas do aquartelamento do Pelundo. Mas só ao início da madrugada sai uma força para os procurar. Por volta das cinco da manhã, os corpos dos sete homens são encontrados perto da picada para Jolmete: com marcas de balas e golpes de catana. O comandante-chefe vai ao Pelundo ainda nesse dia. "Spínola quis saltar para a camioneta onde estavam os corpos, mas eu puxei-lhe pelo casaco e não o deixei subir. Disse-lhe que era melhor ele não ver. Ele olhou-me com severidade, mas não subiu. Vi-lhe as lágrimas a correr pelo rosto", conta Eugénio das Neves. A morte dos majores é um duro golpe para Spínola. Os negociadores foram vítimas da cúpula do PAIGC, que quis evitar as deserções.
A região de Chão Manjaco, onde a guerra chegou a estar suspensa, volta a mergulhar no inferno. A mais espetacular ação militar da guerra colonial – a ‘operação Mar Verde’ – começa a desenhar-se ainda em 1969. Farto de assistir aos raides do PAIGC lançados a partir da Guiné-Conacri, Alpoim Calvão, que lidera as Operações Especiais, tem a ousada ideia de os atacar território estrangeiro. Havia vários objetivos a conquistar: matar o presidente Sékou Touré e abrir caminho a um regime favorável a Portugal, destruição das lanchas do PAIGC, sabotar os aviões MIG que se especulava poderem entrar em breve no conflito e a libertação das duas dezenas de prisioneiros portugueses que amargavam numa prisão de Conacri (entre eles, o piloto António Lobato). Após muitos meses de preparação, Alpoim Calvão vem a Lisboa apresentar o plano a Marcelo Caetano. "Foi uma esperteza do Spínola. Mandou-me a Lisboa para dar conhecimento da operação ao presidente do Conselho. Para minha surpresa, Marcelo Caetano ouviu tudo sem pestanejar. Eu ainda não tinha acabado de explicar e ele disse que autorizava", recorda Calvão.
A ‘operação Mar Verde’ concretiza-se a 22 de novembro de 1970. É reunida uma força de comandos e fuzileiros dividida em 15 equipas de assalto. Alpoim Calvão faz o balanço: "Ocupámos quase todos os pontos planeados. Capturei a Guarda Republicana toda, com o Marcelino da Mata, onde libertámos 400 presos políticos. Prendemos o ministro da Defesa, que entregámos aos tipos da oposição. A prisão onde estavam os portugueses foi tomada e conseguimos retirar os 26 prisioneiros. Estivemos na casa de Amílcar Cabral, mas ele não estava. O presidente também não se encontrava na cidade. Destruímos muito material do inimigo, mas falhámos a destruição dos aviões MIG porque não tínhamos informação sobre a presença deles no aeroporto." Chovem protestos dos quatro cantos do mundo. O regime mente com todos os dentes – e nega a participação portuguesa. Lobato é entrevistado na RTP e esforça-se por fazer acreditar que ele e os outros prisioneiros fugiram sozinhos da cadeia.
1972 Em maio de 1972, Spínola reúne-se secretamente com Léopold Senghor, presidente do Senegal, mandatado por Amílcar Cabral para negociar as condições para um cessar-fogo na Guiné. O encontro é em Cabo Sikrine, na costa senegalesa, a duas dezenas de quilómetros da fronteira norte da Guiné. O general português, transportado num helicóptero pilotado por Jaime Zuquete, vai sem escolta – mas é montada uma operação de segurança coordenada por Carlos Fabião: 50 paraquedistas aguardam em dez helicópteros na fronteira por qualquer sinal de perigo – enquanto outros 80 constituem uma segunda força de assalto pronta a saltar sobre Cabo Sikrine. Seguem-se mais dois encontros. Spínola e Senghor chegam a acordo para um cessar-fogo. Aceitam um referendo para uma de três soluções: a Guiné continua uma colónia portuguesa; independência pura e simples; ou a inclusão do território numa federação de estados. A última hipótese é a preferida de Spínola e de Senghor.
O governador e comandante-chefe leva o plano a Marcelo Caetano, que o rejeita: "É preferível sair da Guiné por uma derrota militar com honra do que por um acordo negociado com terroristas." Spínola perde todas as ilusões.
1973 Em janeiro de 1973, Amílcar Cabral é assassinado em Conacri por gente do PAIGC – mas essa informação não chega aos comandantes da guerrilha no terreno, que julgam o crime obra dos portugueses. Ainda hoje, não se sabe quem foi o mandante do atentado nem as razões que o motivaram. O PAIGC, entretanto, recebe da União Soviética uma nova e temível arma: os mísseis terra-ar Strella.
A guerrilha, em maio de 1973, ataca com toda a força em dois pontos fronteiriços. Primeiro, a norte, junto à fronteira com o Senegal. O quartel de Guidaje vê-se cercado por centenas de guerrilheiros bem armados, flagelam os 150 homens do pelotão de Artilharia 19 e da companhia de Caçadores 19.
É planeada a ‘operação Ametista Real’: o batalhão de Comandos Africanos prepara-se para atacar a base de Kumbamori, no Senegal, única maneira de aliviar a pressão sobre o quartel português de Guidaje. O então capitão Matos Gomes comanda um dos três grupos que fazem o ataque em território estrangeiro. "Tínhamos a certeza do que íamos atacar porque tínhamos feito um reconhecimento aéreo da região. Entre os 400 homens que participaram só havia quatro brancos. Usávamos as metralhadoras Kalashnikov, capturadas ao inimigo, que eram melhores do que as nossas G3. Na confusão do combate, era difícil distinguir os nossos do inimigo", conta Matos Gomes. Os combates são duros, mas a vitória portuguesa é inequívoca. "Pela interceção que fizemos das comunicações, fizemos cerca de 60 baixas", diz Matos Gomes. Do lado português, tombam 10 militares e cerca de 30 ficam feridos. A operação cumpre o objetivo de aliviar o cerco a Guidaje.
Escassos dias depois do início do ataque a norte, o PAIGC aperta a tenaz a sul. A 18 de maio, começam as flagelações ao quartel de Guileje, sede do Comando Operacional 5, chefiado pelo major Coutinho e Lima. A população local refugia-se no quartel. Centenas de militares e civis amontoam-se nos abrigos subterrâneos. Coutinho e Lima vai a Bissau apresentar o caso a Spínola – mas o comandante-chefe dá-lhe ordem para resistir.
Na madrugada de 22 de maio, Coutinho e Lima resolve contrariar as ordens de Spínola: abandona o quartel – e retira. A coluna de militares e civis parte em direção ao aquartelamento de Gadamael. Os guerrilheiros do PAIGC só se apercebem da fuga dias depois. Acabam por tomar a guarnição, a única a cair em mãos do inimigo em toda a Guerra Colonial.
Depois da tomada de Guileje, o PAIGC ataca Gadamael. Coutinho Lima segue para Bissau, onde é preso por ordem de Spínola, que envia os capitães Monge e Caetano para liderar a defesa. Gadamael resiste aos ataques.
O PAIGC iniciou desde a primeira hora uma guerra de guerrilha bem organizada, que contava com o apoio da União Soviética e da China – que forneciam armas e formação militar. O líder da guerrilha, Amílcar Cabral, engenheiro agrónomo formado em Lisboa, propôs ao regime chefiado com mão de ferro por Salazar, antes de se lançar na luta armada, negociações para a independência da colónia – mas o ditador manteve-se firme no propósito de defender pelas armas o que restava do império.
Os combates alastram rapidamente ao sul e ao norte da Guiné. Com o apoio do regime de Sékou Touré, os guerrilheiros usavam bases na Guiné-Conacri, a sul, e contavam também com o apoio de Léopold Senghor para estabelecerem novos santuários a norte da fronteira, no Senegal. As forças portuguesas, pouco à vontade nos terrenos pantanosos e matas densas, tinham dificuldades em combater um inimigo que se especializou em emboscadas e ataques de curta duração. O apoio da Força Aérea era indispensável para o sucesso das operações.
Desde o início da guerra, a zona sul revela-se a mais difícil para as tropas portuguesas – um verdadeiro inferno. As matas densas da região abrigam os guerrilheiros, que estabelecem uma linha de abastecimentos a partir de Conacri, um corredor que passava perto de Guileje, conforme o lado em combate: os portugueses chamavam-lhe ‘corredor da morte’, para a guerrilha era ‘corredor da liberdade’.
Na Guiné, a falta de estradas faz dos muitos rios e braços de mar o meio principal de fazer deslocar tropas e mantimentos. Na ponta ocidental do Cantanhez, a sul, as ilhas de Caiar, Como e Catungo estão tomadas pelo inimigo, que se atreve a proclamar a República Independente do Como. A presença do PAIGC ameaça a rota dos navios portugueses para sul, essencial às tropas aí colocadas. É então posta em marcha a ‘operação Tridente’. Objectivo: desalojar a guerrilha daquelas três ilhas.
1966 Em abril de 1966, os paraquedistas aquartelados no Mejo sofrem um duro revés. A ‘operação Grifo’, comandada pelo alferes Ferreira da Silva, visa atacar os guerrilheiros que entram na Guiné, através do corredor de Guileje, vindos da vizinha Guiné-Conacri com armas e munições. O pelotão de ‘páras’, onde segue integrado o capitão Tinoco de Faria, sai do quartel do Mejo e faz a pé o percurso para sul, a caminho dos trilhos do inimigo – onde, na madrugada do dia 28, montam emboscada à coluna do PAIGC que por ali surja.
Após horas de espera, por volta das 10h00, detectam os guerrilheiros. Os paraquedistas esperam pela aproximação da coluna para abrirem fogo. O grupo da frente, composto por uma dezena de guerrilheiros, é alvo de fogo cerrado. O capitão Tinoco de Faria é alvejado sem gravidade – e faz o que mandam os manuais: muda de posição e continua a disparar. Volta a ser alvejado, desta vez com gravidade. O resto da coluna do PAIGC ataca com ferocidade.
Os militares portugueses resistem durante 45 minutos debaixo de fogo cerrado. Até que os guerrilheiros retrocedem um pouco – momento que permite aos ‘páras’ retirarem. Mas é demasiado tarde para o capitão Tinoco de Faria. Por volta do meio-dia, morre no terreno. É levado pelos camaradas, sempre flagelados por tenaz perseguição dos guerrilheiros, que só pelas cinco da tarde chegam em segurança ao quartel do Mejo.
1970 A ação de Spínola alarga-se ao campo diplomático. Os majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório e o alferes Joaquim Mosca aceitam participar num plano ousado: convencer os chefes da guerrilha de Chão Manjaco – André Gomes, Quintino Vieira, Braima Camará e Luís Correia – a baixarem as armas. Tem início uma série de reuniões secretas. A primeira, no início de fevereiro de 1970, decorre na região de Pigane, com a presença do próprio Spínola. Seguem-se mais sete encontros entre os majores, o alferes Mosca e os chefes da guerrilha.
O nono e último encontro está previsto para o dia 20 de abril de 1970. Os majores Pereira da Silva, Passos Ramos, Magalhães Osório e o alferes Joaquim Mosca saem a meio da manhã do aquartelamento de Pelundo. "Fui o último a vê-los com vida", recorda à Domingo o então capitão Eugénio das Neves, comandante da companhia de Caçadores 2586. "O major Passos Ramos ia desconfiado. Não tinha o sorriso que lhe era habitual. Eu já tinha ido com eles a outras reuniões, só por acaso não os acompanhei. Acreditávamos que seria possível chegar a um acordo. O próprio Spínola tinha ordenado a todo o contingente que não houvesse tiros por iniciativa portuguesa desde o dia 15", recorda o militar. Como combinado, os quatro oficiais, acompanhados de três guias nativos, seguem desarmados. "Só um deles levava uma pequena pistola", diz Eugénio das Neves. Os militares deviam regressar ao quartel pelo final da tarde. A ausência alerta os camaradas do aquartelamento do Pelundo. Mas só ao início da madrugada sai uma força para os procurar. Por volta das cinco da manhã, os corpos dos sete homens são encontrados perto da picada para Jolmete: com marcas de balas e golpes de catana. O comandante-chefe vai ao Pelundo ainda nesse dia. "Spínola quis saltar para a camioneta onde estavam os corpos, mas eu puxei-lhe pelo casaco e não o deixei subir. Disse-lhe que era melhor ele não ver. Ele olhou-me com severidade, mas não subiu. Vi-lhe as lágrimas a correr pelo rosto", conta Eugénio das Neves. A morte dos majores é um duro golpe para Spínola. Os negociadores foram vítimas da cúpula do PAIGC, que quis evitar as deserções.
A região de Chão Manjaco, onde a guerra chegou a estar suspensa, volta a mergulhar no inferno. A mais espetacular ação militar da guerra colonial – a ‘operação Mar Verde’ – começa a desenhar-se ainda em 1969. Farto de assistir aos raides do PAIGC lançados a partir da Guiné-Conacri, Alpoim Calvão, que lidera as Operações Especiais, tem a ousada ideia de os atacar território estrangeiro. Havia vários objetivos a conquistar: matar o presidente Sékou Touré e abrir caminho a um regime favorável a Portugal, destruição das lanchas do PAIGC, sabotar os aviões MIG que se especulava poderem entrar em breve no conflito e a libertação das duas dezenas de prisioneiros portugueses que amargavam numa prisão de Conacri (entre eles, o piloto António Lobato). Após muitos meses de preparação, Alpoim Calvão vem a Lisboa apresentar o plano a Marcelo Caetano. "Foi uma esperteza do Spínola. Mandou-me a Lisboa para dar conhecimento da operação ao presidente do Conselho. Para minha surpresa, Marcelo Caetano ouviu tudo sem pestanejar. Eu ainda não tinha acabado de explicar e ele disse que autorizava", recorda Calvão.
A ‘operação Mar Verde’ concretiza-se a 22 de novembro de 1970. É reunida uma força de comandos e fuzileiros dividida em 15 equipas de assalto. Alpoim Calvão faz o balanço: "Ocupámos quase todos os pontos planeados. Capturei a Guarda Republicana toda, com o Marcelino da Mata, onde libertámos 400 presos políticos. Prendemos o ministro da Defesa, que entregámos aos tipos da oposição. A prisão onde estavam os portugueses foi tomada e conseguimos retirar os 26 prisioneiros. Estivemos na casa de Amílcar Cabral, mas ele não estava. O presidente também não se encontrava na cidade. Destruímos muito material do inimigo, mas falhámos a destruição dos aviões MIG porque não tínhamos informação sobre a presença deles no aeroporto." Chovem protestos dos quatro cantos do mundo. O regime mente com todos os dentes – e nega a participação portuguesa. Lobato é entrevistado na RTP e esforça-se por fazer acreditar que ele e os outros prisioneiros fugiram sozinhos da cadeia.
1972 Em maio de 1972, Spínola reúne-se secretamente com Léopold Senghor, presidente do Senegal, mandatado por Amílcar Cabral para negociar as condições para um cessar-fogo na Guiné. O encontro é em Cabo Sikrine, na costa senegalesa, a duas dezenas de quilómetros da fronteira norte da Guiné. O general português, transportado num helicóptero pilotado por Jaime Zuquete, vai sem escolta – mas é montada uma operação de segurança coordenada por Carlos Fabião: 50 paraquedistas aguardam em dez helicópteros na fronteira por qualquer sinal de perigo – enquanto outros 80 constituem uma segunda força de assalto pronta a saltar sobre Cabo Sikrine. Seguem-se mais dois encontros. Spínola e Senghor chegam a acordo para um cessar-fogo. Aceitam um referendo para uma de três soluções: a Guiné continua uma colónia portuguesa; independência pura e simples; ou a inclusão do território numa federação de estados. A última hipótese é a preferida de Spínola e de Senghor.
O governador e comandante-chefe leva o plano a Marcelo Caetano, que o rejeita: "É preferível sair da Guiné por uma derrota militar com honra do que por um acordo negociado com terroristas." Spínola perde todas as ilusões.
1973 Em janeiro de 1973, Amílcar Cabral é assassinado em Conacri por gente do PAIGC – mas essa informação não chega aos comandantes da guerrilha no terreno, que julgam o crime obra dos portugueses. Ainda hoje, não se sabe quem foi o mandante do atentado nem as razões que o motivaram. O PAIGC, entretanto, recebe da União Soviética uma nova e temível arma: os mísseis terra-ar Strella.
A guerrilha, em maio de 1973, ataca com toda a força em dois pontos fronteiriços. Primeiro, a norte, junto à fronteira com o Senegal. O quartel de Guidaje vê-se cercado por centenas de guerrilheiros bem armados, flagelam os 150 homens do pelotão de Artilharia 19 e da companhia de Caçadores 19.
É planeada a ‘operação Ametista Real’: o batalhão de Comandos Africanos prepara-se para atacar a base de Kumbamori, no Senegal, única maneira de aliviar a pressão sobre o quartel português de Guidaje. O então capitão Matos Gomes comanda um dos três grupos que fazem o ataque em território estrangeiro. "Tínhamos a certeza do que íamos atacar porque tínhamos feito um reconhecimento aéreo da região. Entre os 400 homens que participaram só havia quatro brancos. Usávamos as metralhadoras Kalashnikov, capturadas ao inimigo, que eram melhores do que as nossas G3. Na confusão do combate, era difícil distinguir os nossos do inimigo", conta Matos Gomes. Os combates são duros, mas a vitória portuguesa é inequívoca. "Pela interceção que fizemos das comunicações, fizemos cerca de 60 baixas", diz Matos Gomes. Do lado português, tombam 10 militares e cerca de 30 ficam feridos. A operação cumpre o objetivo de aliviar o cerco a Guidaje.
Escassos dias depois do início do ataque a norte, o PAIGC aperta a tenaz a sul. A 18 de maio, começam as flagelações ao quartel de Guileje, sede do Comando Operacional 5, chefiado pelo major Coutinho e Lima. A população local refugia-se no quartel. Centenas de militares e civis amontoam-se nos abrigos subterrâneos. Coutinho e Lima vai a Bissau apresentar o caso a Spínola – mas o comandante-chefe dá-lhe ordem para resistir.
Na madrugada de 22 de maio, Coutinho e Lima resolve contrariar as ordens de Spínola: abandona o quartel – e retira. A coluna de militares e civis parte em direção ao aquartelamento de Gadamael. Os guerrilheiros do PAIGC só se apercebem da fuga dias depois. Acabam por tomar a guarnição, a única a cair em mãos do inimigo em toda a Guerra Colonial.
Depois da tomada de Guileje, o PAIGC ataca Gadamael. Coutinho Lima segue para Bissau, onde é preso por ordem de Spínola, que envia os capitães Monge e Caetano para liderar a defesa. Gadamael resiste aos ataques.
1974: A Hora da Liberdade
«A Hora da Liberdade» é uma ficção documental emitida pela SIC em 1999 que retrata os diversos acontecimentos que pautaram o golpe militar de 25 de Abril de 1974, responsável pela instauração da Democracia em Portugal.
É da autoria de Emídio Rangel, Rodrigo Sousa e Castro e Joana Pontes que assegurou, igualmente, a realização.
É da autoria de Emídio Rangel, Rodrigo Sousa e Castro e Joana Pontes que assegurou, igualmente, a realização.